Tuesday, July 31, 2007
Direito autoritário ou Direito Fraterno?
Por uma Nova Teoria e Prática do Direito
Fala-se sempre em crise da Justiça e do Direito. Que fazer? Antes de mais, reflectir. O que está mal? Tentarei avançar algumas primeiras e lacunosas razões, e propor um novo paradigma. Ele já estava a germinar de há anos… Mas creio ser o momento de desfraldar a bandeira e separar as águas: Direito velho ou Direito novo? Direito dogmático ou Direito problemático? Direito autoritário ou Direito Fraterno?
Os principais obstáculos a um Direito justo são todos elementos de autoritarismo: o preconceito, designadamente o etnocentrismo intelectual, a dogmatização e a invocação deslocada e ad nauseam do argumento da autoridade, a ex-denominação teórica, o mito da especialização e do pensamento científico e sistemático.
Contra estes obstáculos, que são mitos, propomos (inspirado nos propósitos da Academia Skepsis, mas não só) os princípios jusfraternos da não discriminação intelectual, do pensamento crítico e sujeito, da expressão total e plural, da problematização e da supremacia da constitução e da constitucionalização do Direito.
O Preconceito tem invadido a qualificação internacional dos juristas e das suas doutrinas. A aplicação do Princípio da não discriminação intelectual daria a cada um o seu lugar e o seu valor (suum cuique), independemente da sua origem ou tradição e da reputação preconceituosa que dele faz génio ou medíocre conforme o continente ou país de origem, escola, corrente de pensamento, cor, língua, género, etc. Este princípio equivale à ideia de não etnocentrismo cultural e de circulação livre e despreconceituosa dos bens culturais. Mas não é fácil consegui-lo, porque o preconceito se mascara de ciência.
O Direito é também muito atreito à dogmatização e ao princípio da autoridade e até da rotina psitacista e manualística. O Princípio do pensamento crítico, não pode deixar em repouso o saber-feito, as certezas que passam erroneamente por verdades, num permanente questionar-se.
Tal intencionalidade implica a adesão ao Princípio do pensamento sujeito, voltando o olhar ainda para o sujeito no pensamento. Ao contrário de tantas ciências, uma das estratégias ideológicas do direito embalsamado tem sido a de ocultar os autores das suas teorias, que assim passam por verdade absoluta. Trata-se de uma forma de ex-denominação, de que falava Roland Barthes na análise da ideologia que se esconde, no seu clássico Mitologias. Há que devolver a teoria aos seus autores (dar-lhes mesmo rosto: uma iconografia jurídica), e fazer do Direito uma discussão dialéctica com assinaturas de seus adversos autores.
O Direito cristalizado invoca quase teologicamente a especialização, interna e externa. Especialização que equivale a esoterismo e pretenso rigor, o qual é erroneamente identificado com o pensamento dogmático ou sistemático e a proscrição, como anátema, do pensamento tópico e problemático. Assim, tanto os juristas estariam proibidos de invocar contribuições externas, como aos profanos se encontraria vedada a reflexão sobre o Direito. E o Direito seria uma espécie de mecânica ronceira de rodas dentadas em motu perpetuo, ou álgebra sem incógnitas.
Contudo, é preciso ter o maior cuidado para não permitir que a depurada scentia iuridica (como aliás outras ciências sociais), a pretexto de flexibilização e outras perspectivas, se venha a tornar não a-científica (porque a “Jurisprudência não é ciência”, ou não é só ciência, nem quiçá o seja principalmente) mas anepistémica. Direito pode e deve ter Literatura, pode ser visto como Literatura, em certo sentido, mas a distinção entre verdade e fantasia, verdade científica e verdade poética tem de persistir. Na linguagem quotidiana usamos a metáfora: Coisas banais mas chocantes podem ser, “um verdadeiro crime”. Mas precisamente esse “verdadeiro” crime não é crime, porque não tem os requisitos de acção ilícita penal, típica e culposa (ou negligente) – para recordar rudimentos penais. É preciso, pois, muito cuidado com a “imaginação jurídica”. A qual tem o seu lugar, naturalmente, mas que precisa de ter em conta sólidos pilares do arsenal do passado.
O Princípio da expressão total e plural, ciente da importância jurídica da interdisciplinaridade, procura, ao invés, uma “impureza” jurídica assumida: porque com pontes para todo o real. E o Princípio da Problematização e o perspectivismo obrigam a uma permanente dialectização do Direito. Além disso, o Princípio constitucional e jurídico geral (e hermenêutico) da supremacia da Constituição e a corrente do neoconstitucionalismo, por exemplo, estão já a obrigar a uma constitucionalização dos vários ramos do Direito (como o atestam as obras, só para falar no Brasil, de Luis Roberto Barroso, Maria Celina Bodin de Moraes ou de Gustavo Binenbojm).
O desenvolvimento intelectual, de que a formação jurídica faz parte, é um direito humano. E a educação para a cidadania e para os direitos humanos implica também o direito ao Direito, e o direito fundamental de todos a uma formação juridica básica. Só a efectivação destes direitos culturais poderá garantir, em consonância com outros direitos políticos e sociais, uma sociedade de efectivo respeito pela dignidade do Homem e o respeito pela Natureza.
Nesta senda, é muito importante ter ideias claras e não preconceituosas sobre o Direito. Não tenho dúvidas de que ou o Direito se regenera e se adapta (não aos novos tempos, sociologicamente entendidos, mas à nova respiração da Humanidade ao desnublar do seu pensamento, ao seu caminho para a maioridade), ou acabará enquanto tal.
São necessários mecanismos de compreensão das acções dos seres humanos que se tornam, pela mão de Midas do Direito, simples “agentes” ou “operadores” jurídicos. Conta a lenda que Goethe dizia que se tivéssemos que conhecer todas as leis não restaria tempo para sequer as violar. E Michel Bastit (em Naissance de la loi moderne) questiona a justeza absoluta da prescrição legal de a ignorância da lei a ninguém aproveitar. É apenas um exemplo de como, nos nossos dias de absentismo politico e alienação das massas, o Direito parece esbracejar no espaço da sua dura lex, sed lex, esquecendo que tem de ter um papel pedagógico, que tem de se divulgar, se quiser ser cumprido. E tem de persuadir. E tem de estar presente e ser eficaz na sentença. Não que se reclame “mão dura”, que, no limite, não leva a nenhuma intimidação real: os honestos são honestos sem lei, e apenas pela dureza da lei os desonestos dificilmente deixarão de o ser.
É preciso que os Tribunais não andem divorciados da sociedade. Se as pessoas honestas normais, não juristas, não entendem, não aceitam, acham uma sentença injusta, certamente que há um problema de comunicação. E contudo, pareceria estranho que os tribunais começassem a ter gabinetes de imprensa…
Está tudo em revisão! Mas o Direito precisa é de se desenfatuar, de sair do seu pedestal de rigidez, de inflexibilidade, e ser vero serviço de vida. Utilidade concreta e não estorvo (ou pior) para os cidadãos.
O Direito, no seu berço romano, nasceu como direito objectivo. Passou depois para o subjectivismo ainda hoje vigente. Os Direitos Humanos colocaram um desafio que perturbou profundamente os pretenses donos do Direito. Mas, depois da liberdade e da igualdade (aliás ainda não cumpridas) é chegada a vez da fraternidade no Direito, que é a sua própria superação e a sua própria consumação.
O Direito do séc. XXI será um direito fraterno, ou não o será.
PFC in "Justiça & Cidadania"
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